terça-feira, 17 de novembro de 2009




José Paulo Paes
Editora Ática, 1990


Por Alcir Pécora



José Paulo Paes (1926-1998) ficou conhecido em vida sobretudo como tradutor, um dos mais profícuos, no Brasil, em todas as épocas. Traduziu Dickens, Emerson, Aretino, Kaváfis, Sterne, Auden, William Carlos Williams, Huysmans, Éluard, Hölderlin, Paladas de Alexandria, Edward Lear, Rilke, Seféris, Lewis Carroll, Ovídio, Kazantzákis, entre tantos autores de tantas línguas diversas. No Instituto de Estudos da Linguagem, da Unicamp, em 1987, dirigiu uma oficina de tradução, da qual resultou o livro Transverso, publicado pela editora da universidade no ano seguinte. Também a sua obra poética foi amplamente reconhecida, tendo a maior parte dela sido recolhida em 1983, no livro Um por todos, da Brasiliense.

A partir de 1984, foi sistemática a sua produção voltada para o público infantil. Poemas para brincar, saído em 90, pela Editora Ática, foi uma de suas tentativas mais bem sucedidas no gênero, valendo-lhe inclusive o prêmio Jabuti de Melhor Livro Infantil, enquanto as ilustrações de Luiz Maia receberam o Jabuti de Melhor Ilustração de Livro Infantil e Juvenil.

Passados 15 anos desde a sua primeira edição, retomo o livro com prazer, a pedido da ComCiência. O livro é composto de 12 poemas curtos, com versos de medida irregular, mas predominantemente rimados. Em Convite, o poema de abertura, já fica clara a idéia a sustentar o livro todo: produzir um encômio da poesia no mundo das crianças, acentuando nela o que tenha de prática, divertida e sempre cambiável, como um lugar de resistência do frescor e da novidade em meio ao cansaço inevitável das demais brincadeiras.

A argumentação em favor desse viço eterno, a defender da gastura das coisas, sustenta-se basicamente em torno de procedimentos de agudeza verbal, isto é, da busca de estabelecimento de relações significativas entre palavras com homologias sonoras ou gráficas. O modelo distante desse procedimento é evidentemente Lewis Carroll, mas sobretudo no tocante às explorações dos idiotismos da língua e dos jogos de palavras, e nunca o Carroll da imaginação alucinada e maliciosa de Alice, ou do nonsense de Jabberwocky. Infinitamente mais comportado, José Paulo Paes aplica um humor suave e comedido ao exame dos paradoxos da língua, e, em particular, de seus equívocos, examinados, como em Atenção, detetive, à imagem de uma investigação sherlockiana. O “banco”, por exemplo, revela suas oscilações entre as “finanças” e o “jardim”; o “dente”, entre a “boca” e o “alho”; a “manga”, entre a “árvore frutífera” e o “colete” etc. Em Patacoada, a repetição ostensiva da palavra pata organiza todo o raciocínio, como se a palavra se aproximasse de uma operação aritmética e, mesmo no âmbito da poesia, do risco do chatice.

Em Pescaria, a base da criação é a literalização de expressões idiomáticas, de modo que as “minhocas da cabeça” podem dar margem a uma descansada e reconfortante pescaria. Letra mágica distende um típico triplet carrolliano em dois quintetos, de modo que o encontro aparentemente impossível entre o “elefante” e o “elegante” dá-se, afinal, por meio da troca do f por g. Paraíso, Gato da China e Respostas apropriam-se de versos populares (“Se esta rua fosse minha”, “Era uma vez um gato xadrez” etc.) ou de expressões feitas ( “Vá plantar batatas”, “Vá lamber sabão”), literalizando-as, e dando-lhes empregos educativos ou edificantes, como os de proteção da natureza. Em Profissões e Ana e o pernilongo, a graça está em motivar a relação entre o signo e o referente (pessoas ou atividades), a contrapelo da lingüística pós-saussureana. O livro fecha com Dicionário, que redefine 23 palavras, cada uma delas iniciada com uma letra do alfabeto, utilizando-se de todos os procedimentos explorados anteriormente. Acentua-se entretanto o cômico de certos gostos e costumes infantis relacionados ao termo, como “aula”, reinterpretada como “período de interrupção/ das férias”; “berro”, que se define como “o som produzido/ pelo martelo quando bate/ no dedo da gente” etc.

No conjunto, os poemas não são nunca realmente engraçados, nem radicalmente nonsense ou provocativos de qualquer maneira. Têm mais um jeito de distração suave na iminência mesma de alguma melancolia. Como se a poesia da criança fosse, de fato, um respiro de memória amena num inevitável e cansado adulto.

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